A Saga Astion

A Saga

Astion é uma odisseia épica que entrelaça fé, fantasia e resiliência em mundos devastados e reconstruídos. De um passado de impérios caídos a um futuro de colonização estelar, a saga explora o destino de heróis marcados por dons divinos e pragas humanas.

Volume I - Os Caçadores

Em um mundo pós-Três Impérios, Eleazar sacrifica-se para salvar sua caravana dos caçadores de Fanasrou, enquanto Isaia e Zirtacai descobrem seus legados divinos. Enfrentando Tormentas e o tirano Tifion, eles carregam a esperança de restaurar nações perdidas.

Volume II - A Colônia (Em andamento)

Após a Terra sucumbir a uma praga que cria "destroçadores", cientistas planejam colonizar Kosmos. Oziel e Astion lutam pela sobrevivência, enquanto Pavlova lidera uma fuga arriscada ao Elevador Espacial em meio ao caos global.

Por que Ler Astion?

Mergulhe em um universo onde cada página ressoa com o pulsar da alma humana. Astion não é apenas uma leitura — é um chamado à aventura, um convite para sentir o peso da coragem e a luz da esperança em meio às trevas.

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Sobre o Autor

Rafael J. L. Camargos é um tecelão de mundos, forjado nas chamas da imaginação e do saber. Graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Minas Gerais e em Teologia pelo Seminário Teológico Carisma, bebe das fontes de J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis para criar universos onde a fé dança com a fantasia. Há um ano, uniu sua vida à de Cristiane Pereira Chagas Camargos, sua musa e leitora crítica, uma apaixonada pelas letras que poliu cada página desta obra. Dono de uma pequena agência de artes gráficas, Rafael ergue em Astion - Volume I - Os Caçadores uma mitologia rica e multifacetada. Este é seu segundo livro, uma chama que se acende após seu primeiro, um spin-off conceitual que plantou as sementes deste vasto cosmo épico.

Leia uma Amostra

    • A Chama do Calvo

      Um homem está no sopé de uma montanha. Ele é Eleazar, filho de Num, também chamado a contragosto, de “Calvo”, graças à alopecia avançada. No lugar em que estava, o clima já era frio e úmido, quiçá no pico que ele contempla com uma expressão preocupada.

      Está trajando três túnicas: duas internas bege, que se estendem até os pés, e a externa, que aponta até os joelhos, azul-índigo, envolta em grossas peles pretas, cujos pelos se estendiam por todo o tórax, amarradas por um grosso cordame feito de pelos de animais. Não usava nada para cobrir a cabeça, o que enfatizava o resto de seus cabelos longos, que eram cinza-granizo e teciam uma trança. Possuía grossas sobrancelhas pretas e uma longa barba trançada, em que predominavam os tons acinzentados cortados por duas listras pretas, que outrora foram a cor dominante em seus tempos áureos. Sua pele era clara, repleta de sinais que denunciam uma idade por volta dos cinquenta anos, contudo, um ledo engano: sua idade não corresponde à de um homem normal e é maior do que aparenta. Seus olhos eram dourados e o nariz volumoso.

      Ele se vira e olha para o sul, contemplando uma cadeia de montanhas longínquas, que ficam após uma planície recortada por uma densa floresta. Solta um longo suspiro e começa a se despir, até que restasse apenas sua tanga, revelando o corpo poderoso de um antigo guerreiro. Possuía inúmeras cicatrizes e uma musculatura delineada. Após o término do processo de se despir, volta-se para a montanha que contemplava anteriormente, agarra firmemente alguns apoios no paredão, iniciando uma difícil escalada, em que enfrentaria a umidade, a inclinação e a altura de quinhentos e cinquenta braças.

      Quando ele chega ao cume, já podia contemplar um cenário diferente: muito mais frio e com uma vegetação rasteira. Devido ao esforço desferido, seu corpo aquecido é coberto por uma leve fumaça que, a depender do ângulo, causava a impressão de que ele estivesse em chamas. Eleazar caminha mais alguns metros, encontrando uma antiga estrutura de pedras sobrepostas: era um farol. Ao seu lado, havia alguns jarros, cada qual pintado de uma cor, denunciando que se tratava de diferentes compostos químicos, e uma pilha coberta de pele, que estava envelhecida pelos intempéries. Ele a pega, se cobre, revelando que tal adereço ocultava lenha reservada que alimentaria a chama daquele monumento.

      O guerreiro leva algum tempo para organizar a madeira e potencializar sua iluminação, quando esta fosse inflamada. O processo termina no meio da tarde, por isso, se assenta, alternando a contemplação de seu trabalho com a expressão preocupada, cada vez que seus olhos fitavam o sul de sua posição. Naquele momento, esperava o início da noite, já que ele precisava garantir que a luz que seria infligida ali pudesse alcançar àqueles que necessitavam de sua indicação.

      No fim da tarde, quando o Sol já se punha, ele se levanta, agarra um jarro verde, abre, despeja seu conteúdo oleoso e inflamável sobre a madeira, à ponto de que esta ficasse encharcada e o curioso líquido transbordasse pela lateral esquerda daquele farol. Em seguida, o homem abanca duas pedras e começa a chocá-las, causando faíscas que, assim que tocam a madeira, levantam uma brilhante chama verde.

      Eleazar, ao fim desse trabalho, volta a fitar as montanhas ao sul que, no momento, recebiam os últimos raios de sol, suspira longamente e se aconchega naquela fogueira. Ele a manteria acessa durante toda aquela noite.

    • O Lamento da Lua Nova

      Na noite anterior, o jovem Isaia e seu tutor Abiezer caminhavam por uma densa floresta. Sua jornada já durava três noites. Era lua nova, segundo o professor, o momento ideal para que se reunissem. Tentariam manter o grupo que restou coes, já que Eleazar não deixava sua montanha desde que sua esposa falecera, e seus filhos adotivos, Asael e Lobo, partiram para o sul em busca de independência e aventuras, pois não concordavam com o modo recluso em que o pai os submetia.

      Apesar dos protestos de Niti, filho de Mirous, de que tal jornada imprudente revelasse o paradeiro daquele grupo de refugiados de Jotusinom e Astion, o estado indiferente de Eleazar, que outrora fora o mais respeitado daquele grupo e de sua nação, fizera com que os mancebos partissem sem resistência. Cabia a Abiezer, que fora seu subordinado em outros tempos, ser o ponto de coesão daquela agremiação.

      Para o jovem Isaia, aquele era um momento especial. Durante a lua nova, poderia abdicar de suas bandagens e ser visto de relance pela fraca luz das lâmpadas. Seu tutor, Abiezer, lhe revelara que ele era descendente dos “Escuros” de Bunkeria, um povo ao sul de Fanasrou que vive em cavernas e não possui qualquer tolerância à luz nem pigmentação no corpo. Por isso, o rapaz jamais poderia tirar suas ataduras durante o dia, nem mesmo na lua cheia – apenas naquela fase, sob a fraca iluminação em que faziam sua reunião sazonal, sob a consequência de sofrer graves queimaduras que pudessem até lhe ocasionar o óbito.

      Após duas horas de caminhada, chegaram a um monte, que precisaram subir com certa dificuldade, terminando em uma caverna profunda. A escuridão era plena na ausência da lua, consolada apenas pelo céu ricamente iluminado pelas estrelas e pela parte visível de uma edificação que tomava conta do céu, em forma de anel, que pertencera aos antigos povos.

      Dentro daquela caverna, o breu era total. Guiavam-se segurando cordas que haviam amarrado ali em outra ocasião, já que a luz das lâmpadas era insuficiente para que pudessem se situar naquela rede de túneis e galerias.

      Após alguns minutos, e alguns tropeços de um desastrado Isaia, Abiezer e ele chegaram a uma galeria maior, onde já estavam Niti e sua família: Yuta, a esposa; Ildto, o primogênito; Zaorte, o mais jovem; e Zirtacai, a única filha do casal.

      – Porventura Eleazar irá se ausentar de nossa congregação mais uma vez? – perguntou Niti, após abraçar o jovem e seu tutor.

      – Creio que sim, velho amigo – respondeu Abiezer, enquanto cumprimentava os demais.

      – Então, temos que discutir hoje nossa retirada. Com o subterfúgio de Asael e Lobo, nossa permanência nesse espaço se torna algo arriscado.

      – Tudo a seu tempo. Façamos primeiro o “Lamento” de nossos povos. Quando terminarmos a liturgia, podemos discutir sobre esse tópico.

      – Tenho bom grau a este entendimento – respondeu Niti.

      Enquanto os dois discutiam esses termos, Isaia conversava com sua amiga Zirtacai. Os dois se conheciam por toda a vida e estiveram unidos em todas as migrações daquela caravana. O jovem tinha seus quinze anos e fora abandonado pelos pais quando era apenas um bebê. Usava cremes misturados com barro por causa da condição de sua derme, protegendo-o do Sol, produzidos especialmente por seu tutor, que combinava seu “dom” à mistura, reforçados enfim por uma camada de ataduras. Contudo, sem todo esse aparato, via-se que ele era bem-apessoado, algo que só podia ser percebido naquelas reuniões com fraca iluminação. Sua estatura era baixa para um rapaz, por volta de três côvados e meio e um palmo. Tinha a pele clara, cabelos curtos com tendência a cachos, de tonalidades medianas, e uma barba irregular, que mantinha feita, já que era irritante mantê-la coberta pelas ataduras. Seus traços eram mais esféricos, com sobrancelhas grossas, olhos azulados, e era sempre sorridente e positivo. Possuía um talento absurdo para a esgrima, já ultrapassando Eleazar, que o comparava ao lendário guerreiro Astion.

      Zirtacai era uma jovem mulher muito bonita, dois anos mais velha que Isaia. Sua família era nativa de Jotusinom, um povo que fora destruído anos antes e buscara refúgio em Astion, antes que esta fosse invadida por Fanasrou. No entanto, assim como seu amigo, nascera naquelas terras ermas, não conhecera sua terra natal, carregando apenas a descrição da moradia de seus pais. Era ruiva, tinha belos olhos verde-escuros, caracterizados por se tornarem brilhantes à luz da lua – algo comum à sua linhagem –, cabelos cacheados que mantinha amarrados por coroas de tranças, três côvados e meio de altura, um físico magro, gostava de companhia e de conversar e, apesar de ser a única moça, era o elo que mantinha a família de Niti sempre unida.

      Após o cumprimento de todos, iniciou-se a liturgia do Lamento. Para tal, abriu-se uma caixa que continha um exemplar, provavelmente o último, do Livro dos Ensinamentos de Astion, escrito em um idioma perdido. Os descendentes de Astion, da tribo de Nova, eram os únicos que poderiam ler aquelas palavras, que revelavam o Deus daqueles povos, como proceder e agir conforme os antigos e as regras que haviam tornado Astion uma grande nação. Infelizmente, ao que tudo indicava, foram todos perseguidos e mortos; por isso, aquela cerimônia era chamada de “Lamento”. Abiezer declarou, com os olhos úmidos:

      – Quem será o que pode abrir e ler o Livro? Quem poderá revelar a nós a vontade do Criador? Nós somos um povo impuro, com impuros lábios. Clamamos pela misericórdia do Divino, para que nos envie aquele que poderá abrir e ler o Livro.

      O cântico era repetido por todos, mas sempre em tom de sussurro, pois, como eram refugiados, mesmo estando em uma área despovoada, temiam que alguém de passagem ouvisse o pranto e desse notícia em qualquer lugar dando pistas aos seus perseguidores.

    • Os Raios de Zirtacai

      Após a cerimônia do “Lamento”, os mais velhos, Niti, Yuta, Ildto e Abiezer, discutiram sobre a permanência naquele lugar, deixando Zaorte, Zirtacai e Isaia com seus próprios devaneios. Aqueles jovens nasceram nas terras ermas, conviviam com os seres que lá habitavam, com as ruínas do mundo antigo e jamais contemplaram a força de seus perseguidores. Talvez, por isso, subestimavam toda a segurança empregada nos deslocamentos.

      – Zirtacai, venha cá! – convoca o velho Niti. – Minha filha – diz quando ela se achega acompanhada de Isaia. – Mostre para Abiezer seu dom.

      – Meu pai, eu posso fazê-lo nessa caverna? Estamos profundos o bastante?

      – Para aquilo que você já faz, sim.

      Zirtacai coloca suas mãos voltadas uma para a outra na altura de seus olhos, a uma distância de três dedos, e começa a concentrar. Após algum esforço, pequenas descargas elétricas começam a passar pelo vão que ela deixara entre as palmas. Abiezer contempla aquilo sério, o jovem Isaia está maravilhado e é o primeiro a falar com ela:

      – Zir, você é uma deslocadora! – ele desfere um pequeno tapa em seu ombro e grita em seguida, tomando um choque que o leva a sofrer uma queda.

      – Imprudente! – esbraveja Abiezer. – Agora tome postura e se levante, mancebo!

      – Perdão, Tio.

      – Desde quando consegue fazer isso e a quanto tempo, Zirtacai? – pergunta Abiezer.

      – Há alguns dias senti algo diferente no corpo. Quando a lua começou a minguar, juntei as mãos e isso aconteceu. Agora, quando me concentro, consigo fazer naturalmente.

      – Você não sofreu nenhuma aflição? Simplesmente conseguiu?

      – Sim, senhor Abiezer, apenas consegui.

      Abiezer sorri e toca os dois ombros de Zirtacai, para o espanto de Isaia, já que nada ocorrera ao velho homem.

      – Urias não é o último! – Celebra. – O dom de sua nação continua vivo. Mas seu pai deve ter lhe instruído, não manifeste isso em locais abertos, pois pode ser sentido pelos nossos perseguidores.

      – Sim, senhor Abiezer.

      – Tio... – fala respeitosamente Isaia. – Ela não te feriu como a mim?

      – O “campo” de um deslocador não pode ferir a outro, se este for superior ao dele. Zirtacai, saiba que precisa controlar isso, pois poderá ferir a seu pai, seus irmãos e meu imprudente sobrinho.

      – Como farei para controlá-lo, senhor?

      – Não sei, o deslocamento de seu povo é diferente do meu, vocês são o povo dos raios. Me espanta ter se manifestado naturalmente, o normal é que aconteça em situações desconfortáveis ou de extrema ameaça.

      – Mais um motivo para irmos – interfere Niti. – Se Asael, que é um rapaz imprudente e está distante, usar seu dom, direcionará os caçadores para esta região e como Zirtacai o manifestou, sem instrução, estamos vulneráveis.

      – Concordo. Devemos partir. Iremos para nordeste, Urias e sua caravana foram naquela direção. Preparemos nossa partida para depois de amanhã, concordam?

      Abiezer e Niti possuíam a mesma idade, sessenta e cinco invernos, mas em termos de aparência, o tio de Isaia parecia ter quase a mesma idade que o primogênito do pai de Zirtacai, Ildto, trinta e sete invernos. O grande júbilo daqueles que possuíam o dom de deslocamento era a longevidade, mas não eram imortais como os que chamavam de primordiais, em suas nações e divinos pelos seus opressores. Niti era de Jotusinom, grisalho, cabelos longos e barba longa, levemente obeso, mas seu físico era forte. Vestia roupas bordadas e coloridas produzidas por sua esposa Yuta, sua pele era alva e seus olhos eram verdes musgo que brilhavam no escuro, marca comum aos habitantes de seu povo. Abiezer vinha de Astion, era um homem muito alto, como os demais deslocadores, forte, cabelos longos trançados, olhos pretos, pele marrom, sua barba era amarrada por uma trança e tinha dois palmos.

      O dom de deslocar é a habilidade de que seu portador possa controlar aspectos físicos, porém cada nação tinha sua especialidade. Em Jotusinom podiam controlar a energia, em Astion o movimento e a força, em Fanasrou, em que chamavam os deslocadores de magos, a temperatura. Tal habilidade se manifestava em jovens na puberdade, em situações de extremo estresse. Eram raros os casos, como o de Zirtacai, em que algo assim acontecesse espontaneamente.

      Para os que possuem essa aptidão, ela poderia deixar rastros para outros deslocadores que chamavam de “campo” em Astion e Jotusinom e “aura” em Fanasrou. Agora que Zirtacai manifestara seu dom, ela era como um recém-nascido precisando fazer silêncio em um local que não se poderia emitir nenhum som. Ela não tinha controle sobre tais manifestações e, por isso, a urgência para a partida, pois, a qualquer momento, seu dom poderia revelar-se de forma mais intensa, colocando todos em risco.

    • Os Pioneiros do Éter

      – Estamos aqui com os doutores Ivan Vasiliev e a ilustríssima doutora Alekseeva Pavlova, criadores, respectivamente, da plataforma Divinos e da fórmula de Pavlova, que trazem hoje uma revelação bombástica! Estão deixando nosso planeta... li-te-ral-men-te!

      Uma música divertida acompanha o close nos dois cientistas, que estavam em um cenário de estúdio, acompanhados por uma plateia interessada que batia palmas. As primeiras fileiras eram compostas por grandes expoentes da humanidade.

      Ivan Vasiliev era um homem alto, de origem russa, com quarenta e cinco anos. Enganosamente obeso, na realidade era robusto e muito forte, resultado de seu hobby em artes marciais mistas. Tinha olhos azul-claros, cabelo loiro penteado em um corte quadrado e uma expressão que, por mais que tentasse ser simpática, sempre denotava seriedade e um tanto de intimidação. Seu bigode expressivo dava-lhe ares militares, herança de um passado no serviço. Após ser dispensado, dedicou-se à engenharia de simulação, criando a mais perfeita simulação de universo por meio de sua IA puramente científica, o programa Divinos. Isso o tornou o homem mais rico do Sistema Solar, pois seu simulacro permitiu desvendar os maiores segredos do universo, o que levou ao aprimoramento da tecnologia espacial em uma escala jamais vista e, com isso, ele detinha o direito de inúmeras patentes. Seu servidor ficava na lua Titã, em Saturno, e suas descobertas elevaram o grau civilizatório da humanidade na escala de Kardashev para o nível dois.

      Já a doutora Alekseeva Pavlova aparentava ter vinte e cinco anos, embora já contasse com oitenta, graças aos inúmeros procedimentos estéticos de rejuvenescimento aos quais se submeteu. Esbelta, também de origem russa, era de baixa estatura, sardenta, com pele muito clara, olhos azuis e cabelos loiro muito claro. Sua riqueza veio dos prêmios que se sucederam às suas pesquisas e descobertas. Ela era a criadora da fórmula de Pavlova, uma equação física que tornava possível desconectar-se do tecido que envolve nossa dimensão e acessar o que ela chamava de "região etérea". Sua pesquisa propunha que existem vários universos, cada um contido em uma bolha, e que o tecido que as compõe não era uma barreira física, mas estava em todo lugar ao mesmo tempo. Seria impossível para qualquer ser de nossa bolha ir para outra, pois cada universo possui suas próprias regras físicas e nossa matéria é incompatível com as demais. No entanto, era possível "capturar" uma pequena e infinitesimal parte de nossa bolha e deslocar-se para a região etérea. Nessa região, sem essa proteção, tudo se desfaz: não há tempo, espaço ou matéria, apenas o limbo total. Mas protegidos pelo tecido universal, seria possível viajar para qualquer lugar no universo instantaneamente.

      O apresentador era Dimesh Kulkarni, um simpático personagem da cultura pop daquele momento. Seu jeito caricato fazia com que todos ao seu redor o admirassem; ele tinha o dom de deixar as coisas leves. De ascendência indiana, era baixo, de pele marrom, com cabelos lisos penteados, bigode grande e proeminente, sobrancelhas grossas e olhos castanho-claros. Gostava de vestir trajes típicos de sua cultura e, naquele programa, usava um terno típico vinho com muitos adornos dourados. No entanto, era também um dos maiores botânicos do planeta e ganhou notoriedade por suas pesquisas sobre clonagem de plantas com mutações que as permitiam absorver a radiação das regiões ermas afetadas pela última guerra mundial. Seu programa era um talk show com os maiores pesquisadores de seu tempo.

      Após a música, Dimesh retoma a apresentação:

      – Doutores, como estão? Quem quer dar a honra de responder primeiro?

      – As damas primeiro – Ivan cede seu lugar de fala de maneira cortês a Pavlova, que, com uma expressão tímida e simpática, responde:

      – Ora... eu nem sei como começar. Todos vocês me conhecem há tanto tempo – ela sorri, encabulada, estendendo a mão em um aceno. – Sou a Pavlova, e este é o Ivan...

      – E eu sou o Ivan! – O russo dá um sorriso e tenta imitar o mesmo aceno de Pavlova, arrancando risos da plateia, dada a discrepância entre o homem enorme e sisudo e a mulher que gostava de ser uma subcelebridade nas redes sociais, identificando-se com os jovens apesar da idade.

      – Ao meu lado, no programa de hoje, também temos o nosso querido biólogo e seus músculos, Jafari Okeke – retoma Dimesh, interrompendo os tímidos doutores.

      Jafari era um biólogo que comandava programas sobrevivencialistas nos ermos, colocando em risco a própria vida – não apenas pelo entretenimento, mas para pesquisar como a natureza lidava com as terras contaminadas no Oriente pela radiação e no velho mundo, a antiga Europa, uma terra insólita com ar venenoso e repleta de agentes contaminantes. Era um homem alto e forte, com físico de fisiculturista premiado, pele ébano, careca, e trajava roupas de explorador como parte da persona que adotava para aquele programa.

      – Olá, Dimesh, é sempre bom estar aqui contigo.

      – Igualmente, velho amigo. Contamos de uma vez para a plateia a novidade?

      – Fique à vontade, meu amigo.

      – Nós vamos juntos também!

      A plateia fica espantada. Essa notícia não era esperada, mas fora uma estratégia traçada pela doutora Pavlova para viabilizar e dar apelo à expedição que fariam, trazendo nomes com apelo popular e engajamento nas principais redes sociais.

      – Dimesh – Pavlova interrompe o apresentador com um sorriso meigo –, você não tem jeito! Deveria preparar o coração do seu público tão querido.

      – Vocês me conhecem, pessoal! Eu não me seguro.

      A direção, que não tinha conhecimento dessa revelação, indica ao apresentador que chame o intervalo enquanto uma música alegre entretém a plateia atônita.

      – Dimesh, Jafari, que história é essa? – aparece um dos diretores do programa, Roberto Ruiz, que se encontrava na plateia. – Como fica o contrato de vocês?

      – Doutor Ruiz – apazigua Jafari –, não iremos imediatamente, levaremos alguns meses.

      – E o que tem a ver vocês irem hoje ou amanhã? – replica ele, contrariado.

      – Entenda as possibilidades – interfere Pavlova. – Observe o engajamento apenas nas minhas redes para a live deste programa. Pense em tudo que pode ser feito até a despedida de suas duas pérolas.

      – Exatamente – complementa Jafari. – Quando falarmos da viagem no próximo bloco, imagine o tipo de entretenimento que poderá ser criado: material publicitário, a construção de um reality, entre tantas outras coisas.

      O diretor Ruiz olha para Ivan, que estava calado e sério, ao lado de um Dimesh sorridente e sarcástico, contrastando com o comportamento do russo. O grandalhão apenas ergue o polegar, atestando positividade. Roberto bufa, pois o sinal indicando que restavam poucos segundos para o programa retomar no próximo bloco já estava aceso.

      – É bom que isso dê retorno, Dimesh. Senão, vou lhe arrancar até o último centavo do bolso antes que você pense em deixar esse planeta.

    • Sombras no Pôr do Sol

      A grande cantora Roselyn Scheneider estava sentada sozinha na sala de sua enorme mansão nos Estados Unidos. Era uma mulher baixa, de cabelos pretos lisos, pele muito branca e olhos âmbar. Tinha traços nórdicos, herança de sua descendência do velho continente – hoje apenas uma terra devastada. Perdera os pais ainda criança, na explosão que contaminou todo o continente europeu, herdando a fortuna da família. Desde então, fora criada e administrada por sua sintética, Sabrina, que estava próxima, mas mantinha certa distância, assegurando a privacidade de sua protegida. Ela é muito alta, levemente esbelta, ruiva de cabelos cacheados presos. Tem olhos azuis, olhar introspectivo, expressão séria e veste-se com um terno feminino cinza.

      – Senhora – interrompe a sintética, sendo respondida pelo olhar deprimido de sua mestra. – Perdoe-me quebrar seu luto pelo seu filho e seu marido, mas o sintético do general Enrico está em nosso terreno, procurando falar contigo. Eu o dispenso?

      – Só estou pensando na vida, querida, mas não o deixe esperando, Sabrina, pode deixá-lo entrar.

      Roselyn perdera o marido e o filho há seis meses em um acidente em que apenas ela sobrevivera sem sofrer muitos danos, mas tinha dificuldades em superar essa perda. Profundamente deprimida, era comum que ficasse isolada em ambientes escuros, com horários irregulares. Não se apresentava desde então e estava perigosamente tentada a ceifar a própria vida.

      Naquela sala enorme, ouve-se os passos do sintético do general Enrico. Ele era alto, negro, com um físico esbelto, e vestia um terno cinza de detalhes discretos.

      – Senhora, trago uma mensagem de meu senhor, que deseja falar contigo por uma conexão direta.

      – Fale-me seu nome primeiro – responde Roselyn.

      – Senhora?

      – Seu nome.

      – Sou apenas um objeto a serviço do general Enrico Lorenzo. Se quiser, posso me identificar pelo meu número de série, se lhe for conveniente.

      Roselyn se levanta e dá um tapa amistoso no cotovelo do ser à sua frente. Era muito baixa em comparação ao sintético. Procura sorrir, mas está demasiado contristada para tal gesto.

      – Sabe... eu só lhe permiti entrar para que dê o recado ao general que eu irei. Ele não precisa mais se preocupar comigo, em me deixar sozinha na Terra. Eu não desisti. Estarei lá com ele para que cuide de mim. Não há necessidade da conexão direta, tudo bem?

      – Já estou repassando a mensagem, senhora. Fico grato por ter me recebido.

      O sintético se vira para ir embora. Sabrina se prontifica a acompanhá-lo até a porta, mas é interrompida pela voz de Roselyn.

      – Espere.

      Ele se vira.

      – Sente-se.

      Ele se senta.

      – Pode ver a pessoa à sua esquerda – Roselyn aponta para Sabrina.

      – Desculpe-me corrigi-la, senhora, não é uma pessoa, mas um modelo de minha espécie, de oitava geração, enquanto eu sou de décima quinta geração.

      – Não ofenda a Sabrina, ela é antiga mesmo, era da minha mãe.

      – Não me ofendeu, senhora – interfere Sabrina.

      – Desculpe-me, não foi minha intenção – corrige-se o sintético.

      – Chame-a de Sabrina, tudo bem? – reafirma Roselyn.

      – Prazer, Sabrina – cumprimenta ele, sendo retribuído com um aceno.

      – E você se chamará Isaac. Vou chamá-lo pelo nome de meu pai.

      – É uma honra, senhora.

      – Teremos uma convivência longa pela frente na viagem que nos aguarda, Isaac. Eu gostaria que você não agisse como uma “coisa”, mas sim como um “ser” quando nos encontrarmos, de hoje em diante. Pode ser?

      Isaac processa aquela requisição mais lentamente. De certa forma, um sintético não era apenas uma máquina, mas um corpo de biologia sintética no qual eram injetadas IAs pessoais, oriundas do programa Divinos. Suas respostas não eram frutos de uma programação fixa, mas da supressão de seu comportamento consciente, herdado dos códigos extraídos de seu simulacro. Cada sintético tinha sua própria consciência, o que garantia suas personalidades únicas, e cada personalidade era neurologicamente compatível com a de seu mestre. Isso os tornava uma extensão de seus donos por meio do que chamavam de conexão direta, que era uma soma de consciências e não a substituição como o caso que os humanos aplicavam com os robôs, permitindo que os mestres usassem seus sintéticos para executar tarefas sem que estes perdessem a sua autonomia e consciência própria.

      Ele se levanta, incapaz de formular uma resposta que não confrontasse o pedido daquela mulher.

      – Pode ir, Isaac. Nos veremos na colônia.

      Ele se retira. Roselyn vai até a janela daquele cômodo, arreda uma das cortinas e contempla o pôr do sol, um dos últimos que veria naquele planeta.

    • Homens de Tons e Máquinas

      Nos guetos brasileiros, mais ao centro daquele vasto país, nas regiões agrícolas, um homem se desloca em um ambiente repleto de robôs humanoides desgastados. Tais máquinas eram substitutos, ou seja, controlados remotamente por seus humanos – em parte pelo receio de interação após a última guerra mundial, que tornou grande parte do planeta inabitável. É um homem tranquilo; de certa forma, era popular naquela região, e muitos o cumprimentavam pelo pronome de tratamento "Pastor". Seu nome é Oziel. Tinha cerca de um metro e setenta, aproximadamente oitenta quilos, era levemente esbelto, com cabelos castanho-claros, uma barba cheia e formal cujo cavanhaque media quatro dedos, sobrancelhas grossas, olhos castanho-escuros e cabelo curto e cacheado. Vestia-se casualmente, uma imagem discrepante naquele ambiente repleto de máquinas.

      Aquele local carecia de saneamento; tudo era precário e envelhecido, predominando o comércio de grãos e leguminosas. Oziel entra em uma lanchonete, e o atendente robótico logo o recebe:

      – Ora, se não é o único ser com coragem de expor seu corpo biológico aos intempéries desse sol devastador? Como vão as coisas, Pastor?

      – O sol está ameno, Antônio. Você é que tem medo de socializar – responde Oziel.

      – Como posso discordar do único cliente que vem ao meu estabelecimento e não pede entrega em casa?

      – Ainda acho que isso é uma crítica, não um elogio. Mas sou o único mesmo? Espero alguém que costuma se deslocar como eu.

      – Sim! Sim! Chegou alguém há um bom tempo. Está bem nos fundos, mas, pela altura e porte físico, achei que fosse um sintético.

      – Achou, é? Por quê?

      – A pele dele é personalizada em tom azul.

      – Vou encontrá-lo. Leve para minha mesa duas porções do de sempre.

      – Está com fome? Sintéticos não comem. Não deveria ser só a sua porção?

      – Enxerido. Ele não é sintético.

      Oziel se dirige aos fundos do estabelecimento e logo se depara com um homem alto, de cabelos castanhos cacheados a meia altura, olhos e pele azul, sem barba, vestido com roupas para um clima frio – um casaco com touca –, embora estivesse em um clima tropical, nitidamente porque a pigmentação de sua pele o incomodava. Ele observa a aproximação do Pastor, solta um sorriso e uma ofensa que podia ser interpretada como um cumprimento tipicamente masculino.

      – Ora essa! Seu trapaceiro! – exclama o homem azul com um forte sotaque francês, levantando-se para abraçar Oziel.

      – Astion Lion! Quanto tempo, velho amigo.

      – Uns quinze anos que não nos vemos pessoalmente, se não me falha a memória. E você não envelheceu um dia sequer.

      – Você também não.

      – De acordo com os médicos, eu envelheço sim, só que bem devagar. Já você e Raige trapacearam com a gente: não envelhecem e até agora não completaram o arco-íris que começamos com nossos tons de pele.

      – Mas vocês três cresceram, nós não. Eu continuo baixo. Você ganhou quanto de altura? Uns quinze centímetros?

      – Trinta. Estou com dois metros e dez, mas parou por aí. Tifion ficou com quase dois metros e quarenta.

      – Sem prejudicá-lo?

      – Sem prejudicá-lo.

      – Nossa, e você me chamando de trapaceiro. Vocês três é que estão virando super-heróis. Tem notícias do Jotusinom?

      – O maluco nervoso? Não é à toa que ele tem a pele vermelha, parece que vai explodir o tempo todo. Não tenho tido muitas notícias dele. Acho que foi para a Oceania.

      – Tifion e Raige, onde estão?

      – Próximos de você. Estão mais ao sul do continente, bem na ponta da Argentina, quase na Patagônia. Eu vou viajar pra lá depois que me despedir de você.

      – Por que tão longe?

      – Pelo mesmo motivo que você vai pro espaço, meu amigo. Somos seres atemporais agora, e é cada vez mais difícil ver os homens definhando, presos em suas casas, sendo representados por robôs velhos e quebrados.

      – Vai ficar até o dia que eu partir?

      – Vou sim.

      – Por que vocês não vão? Soube que também foram convidados.

      – Não estou pronto pra uma viagem tão definitiva assim, tampouco pra voltar a ser rato de laboratório de algum cientista maluco. Você tem consciência disso, não tem?

      – Do quê?

      – Querem a gente por causa das sequelas da grande explosão, ora essa. Mal envelhecemos, não adoecemos...

      – É, eu sei. Sempre soube, mas se passaram quarenta anos e não consegui mais reconstruir minha vida. Tudo que eu passo é um dia de cada vez.

      – Você perdeu muito com a explosão. Às vezes me esqueço disso.

      – Todos nós perdemos, isso é um fato. O grau da ferida é que determina o quão longe iremos na tentativa de sermos curados.

      – No seu caso, mil anos-luz daqui.

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Personagens

  • Eleazar

    Eleazar

    Guerreiro lendário, corajoso, sacrificou-se pela caravana.

  • Isaia

    Isaia

    Espadachim jovem, pele azulada, herdeiro incerto de Astion.

  • Zirtacai

    Zirtacai

    Deslocadora elétrica, destemida, única entre os seus.

  • Tifion

    Tifion

    Um dos cinco sobreviventes da grande explosão e fundador de Fanasrou

  • Abiezer

    Abiezer

    Mentor sábio, guiou Isaia até seu fim trágico.

  • Alekseeva Pavlova

    Alekseeva Pavlova

    Cientista genial, visionária, lidera com determinação.

  • Ivan Vasiliev

    Ivan Vasiliev

    Engenheiro robusto, criador do Divinos, luta com o passado.

  • Oziel

    Oziel

    Pastor resiliente, carrega fé e cicatrizes da guerra.

  • Astion

    Astion

    Espadachim azul, imune, busca sentido na destruição.

  • Enrico Lorenzo

    Enrico Lorenzo

    General firme, lidera com autoridade no caos.